Pages

20 de dezembro de 2013

Gravidade (2013)

Um filme de Alfonso Cuarón com Sandra Bullock e George Clooney.

Toda vez que vou ao cinema pra ver um filme sobre espaço, eu sempre tenho em mente uma única frase clichê que eu sei que vai ser o leitmotiv do filme inteiro: "nós não estamos sozinhos". Sei que quando eu vou ver uma exploração à Marte, nós não estaremos sozinhos. Sei que quando vamos até a Lua numa sala de cinema, nós não estaremos sozinhos. Quando eu for ver o próximo capítulo de Star Wars, eu saberei que não estarei sozinho. E até mesmo quando o argumento tenta transcender os estereótipos, eu chego até Europa (no caso, a lua de Júpiter) e, ainda assim, não estou sozinho. No meio de tanto vazio, parece que é impossível ficar sozinho. Ou ao menos parecia.

O que eu queria dizer com tudo isso é que ao assistir Gravidade, o novo filme de Alfonso Cuarón, eu nunca me senti tão sozinho no espaço, no cinema ou em qualquer outro local que eu tenha visto o filme. Sei que haviam pessoas ao meu lado, sei que eu estava acompanhando a cada momento as aventuras da dra. Ryan Stone (Sandra Bullock), mas eu estava tão sozinho quanto ela. É a capacidade fílmica de se reinventar e reinventar o próprio espaço a cada momento.

Gravidade não se situa num futuro pós-apocalíptico, não necessita de muita imaginação pra ser capaz de imaginar um universo em que as situações acontecem. É simples, na verdade. A câmera pega a história da engenheira espacial Ryan Stone, uma novata nessa área, e a mistura com a história do veterano Matt Kowalski (George Clooney), que se aposentará assim que por os pés de volta a Terra. O que deveria ser tranquilo, apenas uma manutenção em um satélite, se torna um caos: destroços de outro satélite entram na mesma órbita dos astronautas, danificando a nave de Stone e Kowalski. Como únicos sobreviventes, os dois precisam vagar pelo vazio até outra estação espacial, sem segurança, sem chão, com pouco oxigênio e menos combustível ainda.

Daí começa a jornada de Gravidade, repleta de uma ambientação incrível - até mesmo aprovada por especialistas. A direção de Alfonso Cuarón é focada em planos-sequência, muitos mais longos que outros, muitos mais dinâmicos que outros. É de se lembrar, porém, que a qualidade que permanece na fita é a sutileza e a leveza das imagens. A câmera flutua para alternar entra a figura de George Clooney e o desespero de Sandra Bullock. Muitas vezes somos refletidos nos próprios trajes espaciais, como na hora em que a dra. Ryan Stone vaga sozinha pelo espaço e a Terra e o Sol são refletidos em seu capacete, misturados ao olhar de medo e aos sons de respiração ofegante. Como o filme é criado a partir de efeitos visuais, tiro meu chapéu a toda a sessão. O realismo de cenas como a da destruição de um satélite é chocante, e tenho que dizer que a experiência 3D vale bastante a pena.

Fator também excelente em toda a fita é o respeito ao silêncio presente em todos os níveis. Seja em sons diegéticos quanto em trilha sonora, o diretor mantém o maior respeito às leis da física, apenas mantendo como som aquilo que a dra. Ryan Stone ouve. Somos a dra. durante a maior parte de Gravidade. A trilha sonora de Steven Price é  o máximo desse respeito, sempre mesclando seus momentos de ápice construído com um silêncio profundo. Assim como o filme, trilhas como The Void e Don't Let Go respeitam muito a narrativa fílmica, construindo toda uma ambientação que cresce imperceptivelmente. A faixa homônima ao filme, Gravity, que dá os sons aos momentos finais é de uma beleza gritante - quando menos percebemos a voz humana toma forma no fundo de toda instrumentação e dá uma continuidade ao desfecho.

A sensação de que a história não acabou no final é o que realmente fica. Alguns elementos piegas são inseridos no longa (como a história triste e sofrida generalizada de Sandra Bullock), mas os atores conseguem contornar isso bem. A narração de Sandra Bullock não evidencia a perda como principal, mas sua própria solidão - elemento que contorna o filme e passa aos espectadores o sensorial. Afinal, somos Ryan Stone por algum tempo. Somos a lágrima que flutua quando a personagem se entrega a sua dor, somos o fogo que flutua quando a personagem supera sua perda. E, muito além da solidão, somos seu renascimento. A composição de metáforas visuais nos deixa a par disso: quando vemos Bullock em posição fetal, cercada por fios, semelhante a um bebê no útero, é que podemos perceber como a jornada da personagem realmente a transformou. É a verdadeira gestação da independência, da maturidade, da experiência.

Cuarón, num roteiro relativamente simples e num deleito visual, consegue trazer para nós uma solidão incomparável a qualquer outra no universo. É você, sozinho, em meio ao nada, em meio ao vazio. O que resolvemos fazer a partir desta solidão é que é o fundamental. É Gravidade, antes de uma ficção científica, é um filme que serve para mostrar que estamos, sim, sozinhos nesse universo, independente de qualquer outra vida extraterrestre. E que, mesmo assim, ainda somos capazes de nos reerguemos nas nossas próprias pernas.

NOTA: 10

Nenhum comentário: