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28 de junho de 2013

Guerra Mundial Z (2013)

Um filme de Marc Foster com Brad Pitt, Mireille Enos e Daniella Kertesz.

O mundo é o verdadeiro limite para o fim. Ninguém realmente se importa com o que está acontecendo em Marte, desde que não influencie em nada no planeta Terra. É por isso que se um filme como Marte Ataca! fosse ambientado em Marte, seria chato. É por isso que a franquia Star Trek sempre tem um conflito para resolver que coloca a vida no planeta Terra em risco. E bem, talvez seja por isso que o público está certamente saturado de filmes de aniquilação mundial, por mais que eles consigam inovar em algum aspecto.

Então num mundo que já foi invadido por zumbis em Resident Evil, Todo Mundo Quase Morto, Madrugada dos Mortos Vivos, Vírus, Meu Namorado é um Zumbi e muitos, muitos, muitos outros, é muito, muito, muito clichê uma abordagem com o mesmo tema e sem inovar em nada muito novo. Guerra Mundial Z é assim: um caótico filme que, no fim da sessão, não consegue nada além de ser caótico, tanto para o público quanto para os próprios personagens que, até no fim da fita, parecem não saber aonde estão.

Gerry Lane (Brad Pitt) é um ex-agente da ONU que desistiu de arriscar a vida trabalhando como investigador e agora vive cozinhando panquecas para a família. Num dia, quando ele vai levar suas filhas à escola, o trânsito está caótico. Pessoas estão desesperadas e em pouco tempo a morte chega para assombrar. Se vendo num verdadeiro cenário de guerra, Gerry, sua mulher Karin (Mireille Enos) e suas filhas Constance e Rachel (Sterling Jerins e Abigail Hargrove), têm de usar o instinto de sobrevivência até conseguirem entender o porquê de algumas pessoas estarem mordendo as outras.

O filme possui erros de roteiro que chegam a ser grotescos. Os exemplos variam desde um filho que não consegue se comover com a morte dos pais e já corre para a ajuda de desconhecidos até uma bombinha de asma. Assim como no último filme da franquia Resident Evil, Guerra Mundial Z parece um imenso videogame, onde as fases são lugares ao redor do mundo até, finalmente, chegarmos no clímax (que, comparado ao resto do longa, passa muito rápido). O 3D, por outro lado, é bem utilizado, e as cenas de ação são realmente eletrizantes. Mas não podemos nos alvoroçar tanto com cenas assim sendo que elas provém de uma granada e uma arma de fogo em um avião que foi incapaz de matar todos. 

O filme é de Brad Pitt, e seu personagem deixa isso claro. O cansaço característico de sua voz fica até o final, e isso dá sugestões ao seu personagem muito boa, que extrapolam a imagem de início. Mireille Enos é tal mal-aproveitada que creio que não vale a pena falar sobre ela. A atriz é um simples estepe de Brad Pitt, que some quando o clímax para de se relacionar inteiramente com o protagonista. Há de se falar a mesma coisa de todos os outros atores no longa-metragem. Danielle Kertesz é a única que parece não depender completamente do ator principal, a atriz consegue estabelecer uma identidade própria desvinculada do protagonista.

O desfecho do filme parece ser incompleto, como se fosse jogado do nada em cima de toda aquela atmosfera de ação e suspense. O caso se desenvolve bem, tirando os erros graves, mas perdoáveis, cometidos para aumentar a adrenalina do espectador com as cenas na tela. O ápice, realmente, é quando chegamos ao país de Gales e, mesmo sem tanta ação quanto comparada nas cenas em Israel ou Coreia do Sul, o clima chega ao máximo de tensão - tudo bem orquestrado pela trilha sonora final de Marco Beltrami. O desfecho, porém, não só sugere uma continuação (que já foi confirmada mesmo antes do lançamento) quanto joga todo o ritmo no lixo para uma narração em off estranha.

Guerra Mundial Z consegue inovar em um único aspecto: sua solução para o caso, mais do que diferente e muito mais interessante do que uma cura para zumbis ou o extermínio de todos os mortos-vivos. Além disso, é um entretenimento válido, tem seus bons momentos de susto e tensão e nos dá mais ou menos duas horas de diversão. Mais do que isso é exagero. Ele subestima o espectador com erros e flashbacks, nos dá um 3D que não chega perto de ser perfeito e, de bandeja, dá ao grande público algo como se fosse a mistura de The Walking Dead com 2012.

NOTA: 5

24 de junho de 2013

Blancanieves (2012)

Um filme de Pablo Berger com Macarena García, Maribel Verdú, Daniel Giménez Cacho e Sergio Dorado.

Filme visto no 2º Festival Internacional de Cinema de Brasília, Mostra Competitiva.

Ainda existe alguém que possa não conhecer alguns dos famosos contos de fadas dos irmãos Grimm que, constantemente, viraram adaptações fabulosas dos estúdios Disney? Talvez Branca de Neve e os Sete Anões seja um dos mais completos e uma das mais conhecidas que se pode ter. A história todos conhecem: a princesa, perseguida por sua cruel madrasta, foge para a floresta, encontra sete anões, come uma maçã envenenada e acorda com um beijo do seu príncipe, uma bela história de amor. E mesmo quem não vê filmes de animação, poderia conferir a mesma história nas diversas adaptações que o filme original vem tendo, como Branca de Neve e o Caçador ou Espelho, Espelho Meu.

Antes de falar, porém, deste filme de Pablo Berger, preciso falar da figura constante, que é a da madrasta malvada. A época que vivemos não tem o mesmo maniqueísmo infantil dos estúdios onde os sonhos se tornam realidade. O foco deixou de ser Branca de Neve há alguns anos, enquanto a bruxa - retratada por grandes atrizes como Julia Roberts, Charlize Theron ou Maribel Verdú - ganha mais carisma, se torna um pouco mais humana nos olhos do público, e rouba a cena com uma interpretação de matar. Vale mais a pena fazer vilões do que mocinhos, e isso não se restringe a Branca de Neve. Angelina Jolie está fazendo o papel de Malévola (A Bela Adormecida) para um filme do ano que vem. Sabendo disso, comecemos Blancanieves.

Carmencita (Sofía Oria/Macarena García) é uma pequena menina infortunada. Sua mãe, Carmen de Triana (Inma Cuesta) morreu ao dar a luz, e logo depois de seu nascimento seu pai, o grande toureiro Antonio Villalta (Daniel Giménez Cacho), casou-se com uma outra mulher. O infortúnio fica ainda pior quando sua avó, dona Concha (Ángela Molina) morre e ela tem de morar com o pai desconhecido. A madrasta da menina, uma terrível e invejosa mulher chamada Encarna (Maribel Verdú), não gosta de Carmen de modo algum e faz tudo para transformar a vida da enteada em um inferno.

O filme, assim como O Artista, é uma imensa homenagem ao cinema mudo e preto e branco. Totalmente ambientado na Espanha dos anos 20, com uma direção de arte impecável (misturando elementos circenses e figurinos incríveis), a história dá uma nova roupagem para a tão conhecida fábula da Branca de Neve. A princesa não é filha de um rei, é uma simples menina filha de um famoso toureiro. Por ser ambientado num mundo real e antigo, a compaixão e o maniqueísmo do bem e do mal não são utilizados completamente na fita. Claro que protagonista e antagonista são bem definidos com candura e ódio, respectivamente. Mas observemos, não existe pena por parte do assistente da madrasta. E nem todos os anões são confiáveis, assim o filme nos entrega.

Pablo Berger faz um grandioso filme, tornando as imagens belíssimas e com um ritmo avassalador graças a sua ótima direção e a uma montagem grandiosa. A montagem é mais do que precisa e nos entrega um filme completo. Veja todas as cenas onde o suspense ganha: todas elas têm um corte muito mais rápido, de maior tensão no espectador. Ao mesmo tempo que a montagem consegue prender na tela, também traz ótimos momentos de descontração. A comédia é recorrente, a figura da madrasta é caricata o bastante para ser engraçada, e até mesmo alguns artifícios utilizados para as legendas de fala são suficientes para fazer o público rir. Isso porque ainda nem começamos a falar de Josefa (Alberto Martínez).

No quesito atuação, ninguém perde. Ninguém mesmo. Como falado no início, a figura da antagonista recebe uma atenção maior do que a protagonista em si. Maribel Verdú conseguiu até um prêmio Goya como Melhor Atriz, tudo graças a suas falas corporais intensas, cheias de significado. Quem não fica atrás é Ángela Molina, em sua pequena aparição como a avó da protagonista. Sofia Oria e Macarena García são grandes surpresas do longa, e representando o lado masculino, Daniel Giménez Cacho e Sergio Dorado representam bem seus papéis, com ressalva ao primeiro, que consegue emocionar com o olhar.

O roteiro, por ser todo ambientado na realidade, assume tons macabros que se assemelham mais aos Irmãos Grimm do que um conto de fadas propriamente dito. Vingança, morte e muita maldade são os maiores artifícios que não permite que Blancanieves seja indicado ao público mais infantil. Não há como falar do filme inteiro, porém, sem dar uma atenção à trilha sonora: Alfonso de Villalonga faz um estupendo trabalho, pois é exatamente ele que dá o tom da fita. As canções originais, as danças, os sinos, a alegria e a tristeza, é somente ele que decide a hora exata que o espectador sente tais emoções fazendo-nos ouvir todos os seus acordes a cada momento. O próprio silêncio é bem pensado para resultar numa verdadeira explosão, um grande efeito da fita.

Não, não há muitas pessoas que não conhecem Branca de Neve e os Sete Anões, um verdadeiro clássico infantil que transcende época e idade. Recorrente em muitas situações, o conto é tão aplicado na vida real que virou um filme para adultos, com uma mão tão certeira quanto os estúdios Walt Disney (o que resultou em 10 prêmios Goya para o filme). De um modo ou de outro, ainda há muitas pessoas que nunca viram e talvez nem ouçam falar de Blancanieves. E isso é errado, muito errado.

NOTA: 9

21 de junho de 2013

Minha Mãe É Uma Peça (2013)

Um filme de André Pellenz com Paulo Gustavo, Suely Franco, Mariana Xavier e Rodrigo Pandolfo.

Eu, como faço parte de uma minúscula parcela do teatro desse grande Brasil artista, não concordo de maneira nenhuma na transferência de algumas peças para a telona. Há, claro, várias exceções - a maioria provém de obras de Nelson Rodrigues, que se provaram ótimos filmes. Mas o que vemos atualmente é uma epidemia da transformação da comicidade em cinema, ao meu ver, de forma desnecessária, descentralizando o povo do teatro para as telonas. As últimas divulgações de filmes baseados em peças se mostram comédias fraquíssimas, algumas que ainda não passam nem de trailers não empolgam nem o espectador.

Não foi grande surpresa, porém, ver que o filme do ótimo Paulo Gustavo, Minha Mãe é uma Peça, baseado em sua peça homônima, é uma da também minúscula parcela de comédias que funcionam. Dona Hermínia (Paulo Gustavo) é uma mãe como qualquer outra, a narração em off inicial frisa isso muito bem. A atarefada dona de casa tem três filhos: Garib (Bruno Bebbiano), o filho criado e casado; Marcelina (Mariana Xavier), a filha que mais dá trabalho; e Juliano (Rodrigo Pandolfo), o doce e meigo filho caçula. Quando Hermínia ouve uma conversa, ela não aguenta a pressão dos filhos e vai para a casa de sua tia Zélia (Suely Franco).

O roteiro é mais do que desnecessário. O filme inteiro é costurado, dividido em pequena esquetes de humor, o que não caracteriza um filme, caracteriza um grande stand-up baseado em memórias mais cômicas do que emotivas. Os flashes de memória só servem separadamente, já que qualquer ligação entre eles dói e não se encaixa. A desculpa dada pelo longa-metragem é a construção da história do cotidiano materno, o que até funciona como plano de fundo para algumas histórias de crescimento. Outras, como a relação com as vizinhas ou até a descoberta da morte familiar são completamente desnecessárias e causam um efeito destoante ou até mesmo ridículo.

O filme, inegavelmente, é de Paulo Gustavo. O brilho deve se deve a sua experiência nos palcos fazendo seu monólogo. A caracterização do ator como mulher é incrível, sem forçar a barra. Por mais que a caracterização do bóbis seja um tanto quanto exagerada, até mesmo sem eles Paulo Gustavo é verossímil. Muitos falam que ele é a única coisa engraçada do filme. Discordo com veemência. Ingrid Guimarães, Samantha Schmütz, Alexandra Richter, Rodrigo Pandolfo e Mariana Xavier têm um desempenho excelente e uma veia cômica que ajuda a levar as cenas sem o astro. Herson Capri e Suely Franco parece que são mecanizados, como se só servissem para apoio, e Bruno Bebbiano fica abaixo da linha do mediano. Vale apontar também atores como Mônica Martelli, mais do que má aproveitada pela fita. Vale ressaltar que a peça desta última (Os homens são de Marte... E é pra lá que eu vou!) também está programada pra virar filme.

Paulo Gustavo é um ator ótimo, seu programa 220 Volts e as peças em seu currículo são provas disso. Minha Mãe é uma Peça é mais uma destas provas do talento do comediante. Por mais que a comédia nacional seja uma das que mais me fez rir neste ano de 2013, não posso retirar minha certeza inicial: é um filme que deveria continuar nos teatros.

NOTA: 6

18 de junho de 2013

Tese Sobre Um Homicídio (2013)

Um filme de Hernán Goldfrid com Ricardo Darin, Alberto Ammann, Arturo Puig e Calu Rivero.

Filme visto no 2º Festival Internacional de Cinema de Brasília, Mostra Competitiva.

Há alguns anos atrás, o povo se encantou com o drama argentino que ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, no caso, O Segredo dos Seus Olhos. O filme em questão tem como protagonista o reconhecido Ricardo Darin. O ator volta neste ano para um filme bem diferente do que se propôs a fazer: Tese Sobre Um Homicídio é um suspense, bem dirigido, bem orquestrado e bem copiado, que poderia ser confundido com qualquer suspense psicológico norte-americano se não fosse falado inteiramente em espanhol.

Roberto Bermúdez (Ricardo Darin) é um advogado que dá aulas sobre crimes numa universidade argentina. Graças a sua profissão, tanto de professor quanto a não-exercente, ele tem um vasto círculo social, e não é surpresa para o homem quando ele descobre que seu novo aluno, Gonzalo Ruiz (Alberto Ammann), é filho de um velho conhecido seu. No meio do semestre, um crime ocorre no estacionamento da universidade. Aos poucos, Roberto descobre algumas pistas óbvias para si mesmo e começa a desconfiar que seu aluno está por trás deste e de outros crimes.

É inegável o talento de Hernán Goldfrid pra criar um universo de tensão, mas todos - sem nenhuma exceção - todos os elementos das cenas já foram vistos e revistos. O começo sendo um grande déjà vu, as tentativas de inserção num humor mais rebuscado (uma indicação de piadas longe do cunho realista) e a ambiguidade da dúvida fílmica, tudo contribui e denigre a imagem do longa-metragem para criar um grande filme que não é e nunca será único em sua temática.

Ricardo Darin já fez melhor, isso fica claro vendo O Segredo dos Seus Olhos. A comparação com este filme é equivocada, mas de qualquer jeito ele se encaixa bem em seu personagem e é uma forte ligação para o filme. O que é equivocado é a forma como seu personagem é tratado, mais uma culpa no roteiro. A tentativa de crença que um professor possa se tornar tão obcecado com um caso a ponto de destruir sua carreira é incrédula para a maioria do povo. Há uma minúscula comparação com o recente Dentro da Casa seguindo esta lógica, mas ela é eliminada assim que observamos os motivos de provocação e os alvos desta.
Alberto Ammann faz o melhor personagem do filme, uma perfeita Capitu que, ao invés de ter um impasse da traição, tem o benefício da dúvida em seu favor. Calu Rivero tem tantas motivações erradas quanto uma atuação digna de pena, ela não chega perto do elenco principal e é obrigada a se enquadrar nele. Pobrezinha.

A fotografia é um verdadeiro show à parte, mas a troca de farpas entre o realismo e o incrível atinge uma linha tênue que fica difícil pra câmera delimitar. Algumas cenas, porém, valem o ingresso do filme (o filme de tensão argentino, não a cópia hollywoodiana), como a procura de Roberto por um objeto em sua casa, onde a câmera se move incessantemente até nos dar uma sequência genial do caos. Vale ressaltar também o ponto de vista do espectador que mescla entre dois lados, por mais que predomine o do protagonista.

Numa época de protestos, o principal argumento do filme ecoa nos primeiros minutos da sessão: todos somos borboletas no sistema. Quando uma borboleta morre, ninguém dá a mínima. Se uma borboleta de um milionário morrer, porém, isso chega a ser um crime. Até aí Tese Sobre Um Homicídio promete um suspense digno, se não fosse a falta de um foco específico, reviravoltas confusas e a distância entre os últimos cinco minutos do longa com os acontecimentos atuais. Como tese, o filme é um grande MM na folha de papel.

NOTA: 6

16 de junho de 2013

O Mirante (2012)

Um filme de Pelin Esmer com Olgun Şimşek e Nilay Erdönmez.

Filme visto no 2º Festival Internacional de Cinema de Brasília, Mostra Competitiva.

O Mirante é um filme turco de 2012 que apareceu no Brasil para participação em festivais. É duvidoso que ele consiga um público maior em alguma sala comercial, por mais que ele seja bem mais fácil do que alguns filmes que circulam atualmente, como Elena ou Cosmópolis. A fórmula hollywoodiana não para de ser usada no filme, que consegue se manter artístico ao utilizar o maniqueísmo, mas nunca explicitá-lo.

Nihad (Olgun Şimşek) trabalha em um mirante, vigiando áreas verdes em montanhas de cima de uma torre de onde consegue ver tudo: as estradas, as pessoas, a fumaça, os ônibus que passam nessas estradas... Nesses ônibus existe uma atendente chamada Seher (Nilay Erdönmez), uma moça que estudava numa boa faculdade e vivia com os pais, mas por uma infelicidade hedionda, viu-se desesperada para sair do ambiente familiar e conseguir trabalhar em algum lugar. Os dois têm seus próprios fantasmas e, quando se juntam, acabam tendo de enfrentá-los frente a frente.

A fotografia é eficaz o bastante para os momentos contemplativos de silêncio, onde observamos muitas imagens estáticas de natureza - provindas da relação guarda/ambiente, representada por Nihad. A câmera parada também é usada para o núcleo de Seher, onde o ambiente praticamente engole a personagem ao colocá-la minúscula em relação a toda a sala. O close não é tanto utilizado no filme, o que mais vale é a observação de uma cena por inteiro.

Observação é o aspecto que mais ganha em todo o longa. Seja em observação psicológica, natural ou comparativa, até mesmo metafórica. A falta de observação de um o levou a ser o homem que tudo vê, mas que nada pode. Ações não são o forte de Nihad, o personagem prefere a vida enclausurado, tendo de se contentar apenas consigo mesmo, sem nunca ter de enfrentar o passado. A comunicação direta do personagem apenas se dá com um ser-humano físico perto do desfecho do longa-metragem: até lá, as poucas falas de Nihad são feitas por um rádio, cheio de estática. O silêncio ganha.

Quanto a observação, mais uma vez, podemos destacar Seher como a observação óbvia do espectador. Seu lado jovem é simples de ser visto, é fácil de ser identificado. O relance já é o bastante para descobrir o que a jovem passou, mas relance algum é suficiente para descrever as cenas presenciadas pela personagem. Ela está marcada, isso fica claro em seu olhar - seja medo, seja nojo, seja desespero.

Desespero, desespero. O desespero vem da solidão de dois humanos ou da companhia de dois solitários? A cena final, um embate entre homem e mulher, humano e natureza, é o verdadeiro ganho do filme após seus exatos 100 minutos de duração. O Mirante não é um filme acessível, mas creiam: é um filme que pede para ser observado, ainda mais quando ninguém olha pra ele.

NOTA: 8

15 de junho de 2013

O Grande Gatsby (2013)

Um filme de Baz Luhrmann com Leonardo DiCaprio, Tobey Maguire, Carey Mulligan e Joel Edgerton.

Fama, riqueza, dinheiro e luxo. Todo mundo já quis alguma dessas coisas na vida, e na maioria das vezes a razão é unicamente pessoal. Uma vida melhor, mais preguiçosa, menos dura, onde o tempo seria melhor aproveitado para muitas outras coisas. E é nesse quesito que a vida se torna ambígua. Sendo riqueza e prosperidade as maiores virtudes para um homem alcançar, de que adianta a busca pela fortuna se apenas uma parte dela é aproveitada com a vida? Claro, há o outro lado, o espírito. Renunciando todos os fatores que acabamos de falar para alimentar a alma, não existe garantia de um outro lado que não seja a fé, essa sem certeza de muitas coisas.

As frases acimas são generalizações extremistas. Há muito mais do que o dinheiro ou a ascese. E é nesse quesito que entra a escolha, o maior trunfo desta quarta adaptação do livro de F. Scott Fitzgerald, O Grande Gatsby. Nick Carraway (Tobey Maguire) é um jovem sulista que se vê na grande selva de pedra, a Nova York dos anos 20. Ele apenas conhece sua prima Daisy (Carey Mulligan) e seu marido, Tom Buchanan (Jeol Edgerton) na cidade, e não é muito de interagir com todos. Aos poucos, porém, ele vai se aproximando de seu misterioso vizinho, um homem rico que faz festas a desconhecidos todas as noites. Esse homem é Jay Gatsby (Leonardo DiCaprio), e Nick mal podia prever a reviravolta em que ele entraria com esse novo relacionamento.

Baz Luhrmann é conhecido por seu ritmo rápido, por uma direção de arte com cores gritantes e por seus romances que tentam atingir o épico ao máximo. O Grande Gatsby não fica diferente, mas isso auxilia o filme, faz ele ganhar uma personalidade que não teria se fosse traduzido no cinema por meio do drama usual. Não existe uma representação tão interativa para as festas imensas de Gatsby se não fosse pela montagem de Baz. Por falar em interação, o 3D é desnecessário para a experiência visual. Vale muito mais a pena ver a incessante Nova York com a visão do diretor, iluminada e com uma rapidez de acontecimentos imensa.

A atuação não é incapaz de levar o filme. Vemos isso na versatilidade do ator mais esquecido das premiações, o grande Leonardo DiCaprio que, mais uma vez, insere um personagem bem característicos em trejeitos. Por Gatsby ser um leão em uma jaula, são duas personalidades que ele tem de fazer a toda cena: a máscara e o rabo de seu leão. A inquietude em seus dedos enquanto o sorriso verdadeiro permanece em seu rosto, uma verdadeira representação da arma de Chekhov. Em nível de excelência, após Leonardo DiCaprio está a mesma ambiguidade do desconforto - e dessa vez, de uma forma muito mais sutil - com Joel Edgerton. Enquanto Gatsby não aparece, é Edgerton que segura o filme nas costas de jogador de pólo, sempre com uma dupla intenção que não faz questão de esconder do público. O que os dois têm em comum? Algo que poderia ser mal interpretado, mas que aqui é essencial: carisma. O acerto de um significa o erro do outro, mas é muito custoso para entendermos o que é isso. A cena entre os dois e o que ela representa é, verdadeiramente, o ápice da fita, até a calmaria que precede os momentos finais.

Tobey Maguire não faz um bom trabalho, infelizmente, e por ser o protagonista isso até prejudica o andamento da fita. A repetição parece ser seu maior trunfo - e não é um quesito tão bom assim. Isla Fisher é o outro elo distante da fita que não surpreende. O resto do elenco não se sobressai a Edgerton ou DiCaprio, mas faz o bom trabalho que os acompanha na carreira. Jason Clarke é a maior prova disso. Os trejeitos do tolo mecânico são divertidos quando sabemos de toda a história que ele carrega em suas costas. Elizabeth Debicki é a estreante da vez, que consegue dar vida e encantamento a sua Jordan Baker.

Necessito de um parágrafo para a personagem de Carey Mulligan por sua ligação. Ela é, ninguém menos do que Daisy Buchanan, personagem fundamental na fita. Sua entrada desde o começo é feita para nos dar a mesma sensação literária: entusiasmo, surpresa, paixão. Daisy tem movimentos leves, suaves, e seu figurino (grande jogada no filme inteiro!) a acompanha nisso. Ela, como os dois homens citados anteriormente, também tem seu duplo sentido. E a percepção dele no espectador talvez seja a maior surpresa do filme e o único ato digno de causar nojo. O romance entre o casal é bem ilustrado pela trilha sonora diversa, que mescla artistas contemporâneos (como Lana Del Rey, The XX e Beyoncé) com a música dos anos 20. As letras, de qualquer forma, sempre tem um lado para se falar do épico romance entre Jay e Daisy, são letras proféticas, as quais ninguém dá ouvidos.

O roteiro, porém, é o maior pecado. Quando lemos a obra literária, o filme é muito mais do que festa, máfia ou amor. É sobre o ser-humano, o que não fica muito claro no filme. Há aqueles momentos de clareza, a maioria em seu final, mas quando necessitamos uma explicação sobre o que está sendo tratado em tela, esta passa correndo em um minuto ou menos. O Grande Gatsby não tem um foco, apenas uma história de amor que parece ser menor do que é do modo grandioso que é tratado.

A grandiosidade de Baz Luhrmann estraga seu próprio filme, por diminuir o drama dos personagens. Sua tentativa de fazer uma segunda versão de Moulin Rouge (sim, tudo está lá: o escritor narrador, o romance supervalorizado e impossível, a rapidez no movimento, a apresentação de Daisy que se assemelha à Satine) não dá certo no total. Ao fim, a fita vale a pena e é uma das grandes adaptações do livro pro cinema. O que fica, porém, não é nenhuma lição grandiosa ou algo que faz jus à obre de Fitzgerald. É que seguindo o farol verde, vai ter muita, muita festa.

NOTA: 7